terça-feira, 22 de novembro de 2011

Crítica atenuada facilita aceitação do rap na sociedade



O livro Um garoto chamado Rorbeto, do rapper Gabriel O Pensador, marcou a estreia do músico na literatura infantil e foi vencedor do Prêmio Jabuti, a premiação mais prestigiada da literatura brasileira, como melhor livro infantil em 2006. A obra foi objeto de estudo na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). “Estudamos como os ecos da cultura hip-hop apareciam na obra e quais as imagens literárias de criança e infância eram retratadas nela”, afirma a jornalista e pesquisadora Edna Alencar da Silva
Algumas características que aproximam a obra do hip-hop são o texto ser todo rimado e o tom de denúncia. “Porém, a denúncia não é sustentada até o final. Rorbeto é aceito na sociedade e ensina seu pai a escrever. O livro tem um final feliz”, conta a pesquisadora. Para ela, isso é uma mostra de amadurecimento do autor e do hip-hop, pois é feita uma negociação com a sociedade, e não apenas a crítica.
História
O enredo do livro conta a história do menino Rorbeto. Seu nome deveria ser Roberto, mas é escrito de forma equivocada pois seu pai era analfabeto. Segundo Edna, a obra pode ser analisada como uma metáfora à própria cultura hip-hop. “O narrador não diz explicitamente, mas dá vários indícios de que o menino é pobre, mora na periferia. Ele diz, por exemplo, que não tem luz elétrica na casa do Rorbeto e que a família dele ‘vivia escondida / num lugar quase deserto / com chão de terra batida’”, conta.
Rorbeto tinha seis dedos na mão direita. Quando aprendeu a contar e descobriu que tinha um dedo a mais, tentou esconder a mão. Porém, na sala de aula, aprendendo a escrever, demonstrou uma caligrafia muito mais bonita que a de seus colegas. “Os seis dedos na mão podem representar o talento da criança brasileira da periferia”, diz Edna. Ela também ressalta que Rorbeto nunca foi rejeitado, mas que isso se deve ao contexto da história.
Para a pesquisadora, a história do livro se aproxima do próprio hip-hop. “O rap saiu da periferia e chegou à academia com o Prêmio Jabuti. O Gabriel O Pensador vem da classe média. Por isso a ideia da crítica suave, atenuada, com um final feliz. Seria difícil a obra ser aceita se fosse mais dura, mais crítica”, afirma. Ela ainda diz que o grande mérito do livro é trazer o rap para a literatura infantil e poder abrir portas para outros rappers. “A obra serve para quebrar o preconceito. Mostra que pode-se construir coisas boas com o rap”.
Outros elementos
Alguns aspectos gráficos do livro também são interessantes e revelam referências à periferia. “As ilustrações, feitas com colagens, lembram os grafites”, conta Edna. Ela também ressalta a utilização de trechos em negrito no texto, que marcam o ritmo da leitura. “O livro dialoga com a música e com outras obras. Sua construção lembra a batida do rap”, conta.
Ainda segundo Edna, a obra de Gabriel O Pensador faz parte da convergência de meios de comunicação e do questionamento de tradições para o surgimento de coisas novas. Era algo inovador à época, pois juntava música, literatura e artes visuais da periferia em livro infantil. Hoje, porém, este processo está mais consolidado. “A obra é de 2006. Hoje, em 2011, a mistura já é muito maior”, afirma.
A pesquisa também faz relação entre a obra e a personagem Baleia, do livro Os Sertões, de Graciliano Ramos, e com o conto A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa. “Na casa do Rorbeto tinha um cachorro, o Filé, que é descrito como ‘criança de quatro patas’. É uma personificação muito semelhante à da Baleia, cadela de Fabiano em Os Sertões”. Com a obra de Guimarães Rosa, a intertextualidade está na relação entre o passar do tempo com o passar do rio, presente nas duas obras.
O estudo O rap ecoa na literatura infantil foi defendido em outubro na FFLCH, sob orientação da professora Maria Zilda da Cunha. O livro Um garoto chamado Rorbeto foi lançado em 2006 pela editora Cosac Naify, com texto de Gabriel O Pensador e ilustrações de Daniel Bueno.

Mais informações: alencar.edna@gmail.com

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