terça-feira, 6 de agosto de 2013

Os cinco melhores filmes do primeiro semestre de 2013 segundo o crítico André Setaro


Os cinco melhores filmes do primeiro semestre de 2013 por André Setaro.


1.) CÉSAR DEVE MORRER (Cesare deve morire), de Paolo e Vittorio Taviani

De longe, e com louvor, o melhor filme do semestre de 2013, este César deve morrer, dos octogenários fratelli italianos Paolo e Vittorio. 

Vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim em 2012, uma obra que confirma a insólita potencialidade estética e a intensidade dramática desses irmãos quase siameses na coerência de pensamento e senso extraordinário da força da mise-em-scène. 

Ainda que não proclamados como deveriam, pois cineastas de gênio, os Tavianis podem ser distinguidos entre os grandes realizadores italianos de todos os tempos. Para isso, basta ver, Aconteceu na primavera (Fiorile), o melhor de todos, Pai Patrão, A noite de São Lourenço, entre outras pérolas. Geralmente, ao sair de uma projeção de um filme dos Tavianis, o impacto se prolonga fora da sala de projeção.

Desta vez, um docudrama, cuja ação se localiza numa grande, imensa prisão, onde prisioneiros acompanham a montagem de Júlio César, de William Shakespeare. Os pontos temáticos giram em torno dos liames tênues entre a vida e a arte, realidade e encenação. Uma explosão de talento poucas vezes observada no cinema contemporâneo.

2.) VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA (Vous n’avez encore rien vu), de Alain Resnais. Também aqui, neste último filme do autor de O ano passado em Marienbad, uma obra de um realizador mais velho ainda que os Taviani, que ultrapassou a década de 90, mas que continua em franca atividade e em franca inovação. 

O jogo e a representação do jogo. Será que os melhores filmes do cinema contemporâneo estão sendo realizados por cineastas do pretérito? Pelo menos, os dois melhores do semestre em curso são de autoria de dois, por assim dizer, anciães.

Morre um famoso dramaturgo e os atores, que atuaram em diferentes versões de sua peça teatral Eurídice, são comunicados que o autor, em testamento, pede que todos avaliem uma nova versão de Eurídice encenada por uma companhia de teatro. Sérgio Alpendre em sua Revista Interlúdio foi quem matou a charada resnaisiana: " O jogo é esse. 

Sabemos que a representação não acontece senão em suas mentes, pois vemos os atores, por vezes, assistindo à peça filmada com atenção. Suas projeções é que representam novamente a peça, montam cenários, controlam a luz e, por intervenção de Resnais, têm a tela dividida em dois (e até quatro, num momento).  Esse efeito não é gratuito. É parte da estratégia do filme lidar com a inegável herança teatral do cinema, e como tal, pensar em como o avanço da técnica não conseguiu anular ou enfraquecer o princípio básico que rege o cinema: a encenação. Temos assim diversas encenações diferentes. 

A encenação de Antoine, que na verdade finge sua morte; a encenação filmada que os atores veem; as encenações que esses atores projetam e a encenação de Resnais, cuja função primordial é promover a fusão de todas as encenações existentes."

3.) KILLER JOE – MATADOR DE ALUGUEL (Killer Joe), de William Friedkin. Um realizador, Friedkin, que usa a mise-en-scène como um fio de eletricidade para fazer emergir, dela, o impacto cinematográfico (O exorcista, Operação França, O comboio do medo, outros). 

Cineasta de timing, de ritmo, que tem um sentido de espetáculo bem singular capaz de surpreender o espectador com um determinado travelling não previsto ou um corte de impacto. 

Diretor a ser revisitado em cinematecas, porque nunca bem visto em sua verdadeira potencialidade expressiva. Dublê de detetive e assassino por encomenda (Matthew McConaughey) encontra com jovem de 22 anos, cujã própria mãe roubara-lhe as drogas, que valem em torno de milhares de dólares. Se não entregar o dinheiro, o rapaz será eliminado. 

A sua proposta é que o matador Killer Joe dê sumiçõ, matando-a, a sua mãe que tem polpudo seguro de vida que daria para pagar a seus credores. Inflexível, porque só executa quando pago adiantado, o assassino por encomenda abre exceção para o rapaz na condição de que sua irmã mais nova sirva de garantia sexual até o dia do pagamento. O que pode parecer um filme convencional, assim exposto de maneira sintética, torna-se uma explosão de criatividade, considerando que sua produção de sentidos vem não da fábula, do argumento, mas da mise-en-scène de Friedklin, notável realizador.

4.) AMOR (Amour), de Michael Heneke. Realizador que ausculta a sua cultura e os germes do nascimento do autoritarismo (A fita branca), empenhado nas fraturas expostas da sociedade pela emergência da violência (Violência gratuita), e pela ânsia sexual sem limites (A professora de piano), entre outros, Heneke, em Amour, oferece, pela cena da ópera inicial, um lugar cativo para o espectador esperar, na duração de sua projeção, a morte pelo amor e, com isso, observar o processo de desintregação de um casal de músicos (ele, Jean-Louis Trintgnant, soberbo, ela, Emmanuella Riva, também soberba). 
A mulher, por causa de um derrame, fica paralítica e o marido vê-se na circunstância de cuidar dela. Até o momento derradeiro chocante, que dá um ponto final ao processo. Com exceção da cena de ópera, Amor foi todo rodado no interior de um amplo apartamento, que é a reconstituição de um no qual o autor viveu por longos anos.
O sentido de duração dos planos de Heneke obedece à duração de uma vida lenta, destituída de alento, e, com seus movimentos de câmera no interior da residência, Heneke põe, por assim dizer, o espectador como cúmplice do estado de agonia dos personagens. Trintgnant, que tentara o suicídio antes do filme, aceitou trabalhar em no filme e sua expressão é reveladora de um amargor condizente com o suplício do personagem. Trintgnant que, na sua juventude, conseguiu consquistar Brigitte Bardot durante as filmagens de …E Deus criou a mulher (…Et Dieu créa la femmme). E nenhum cinéfilo, que assim se considere, pode esquecer de Emmanuella Riva em Hiroshima, mon amour, de Alain Resnais. Também presente, como a filha do casal, Isabelle Huppert.
5.) O SOM AO REDOR, de Kleber Mendonça Filho  Confirmação do talento do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, que, com esta produção ímpar em relação aos demais filmes brasileiros dos últimos tempos, consolida o seu olhar sólido de cineasta sobre as mazelas da sociedade a partir da intervenção de uma milícia em uma rua de classe média do Recife. 
A milícia, elemento deflagrador de uma série de enredos paralelos  funciona como o motor que faz surgir a realidade contemplada. O extraordinário uso do som dá à obra uma consistência que, por vezes, conduz ao impacto. O único senão vai para a necessidade de um corte mais pontual para diminuir seus longevos 134 minutos de projeção. 
Fonte: Terra

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