sábado, 1 de outubro de 2011

O auxílio à África atrapalha mais do que ajuda?




"Os problemas não desaparecem com sacas de arroz", diz economista africana

O auxílio à África atrapalha mais do que ajuda? Em uma entrevista a “Der Spiegel”, a autora e economista zambiana Dambisa Moyo explica como as iniciativas de auxílio ocidentais impediram progressos reais na África nos últimos 40 anos e diz porque esse auxílio deveria ser suspenso. Ela argumenta que os africanos precisam finalmente assumir responsabilidade por si próprios.

Você está pedindo o fim de todo o auxílio para desenvolvimento por acreditar que essa ajuda é inefetiva. E você está fazendo isso no momento em que 750 mil pessoas estão a ponto de morrer de fome na Somália. Seria essa de fato a melhor coisa a se fazer?
Dambisa Moyo: 
A situação no Chifre da África atingiu proporções emergenciais, e neste caso a ajuda humanitária é absolutamente necessária. Mas nós precisamos ser modestos. Eu não acredito que esses problemas desaparecerão apenas porque arroz e milho estão sendo enviados para lá às toneladas. A África é o único continente no qual continuam existindo ondas de fome intermitentes. Algo entre 400 milhões e 500 milhões de pessoas na África não têm o suficiente para comer, ainda que aquele seja o continente com a maior extensão de terras aráveis. Existe algo de errado quanto a isso.
O que precisa ser feito para que a fome seja eliminada para sempre?Nós temos que afirmar: “Tudo bem, nós os ajudaremos, mas o que é que vocês próprios farão para evitar a ocorrência de novas crises de fome em massa no futuro?”. Afinal de contas, o Ocidente também monitora medidas de austeridades rígidas na Grécia e exige reformas. Mas nós não exigimos nada similar na África, e é por isso que podemos ter certeza de que haverá uma outra onda de fome em algum lugar do continente no ano que vem.
Catástrofes como a da Somália são uma coisa. Mas você não acha que a África necessita de programas de auxílio de longo prazo para que os problemas da região fiquem sob controle?Eu me oponho a que se continue injetando automaticamente somas bilionárias na África anualmente na forma de empréstimos baratos e assistência orçamentária. Esse dinheiro gerou dependência e inflação; ele não ajuda as pessoas a se tornarem de fato produtivas. O Ocidente vem fornecendo sem falha essa ajuda há 40 anos. Mas, mesmo assim, a África continua a contar com uma péssima infraestrutura, um sistema educacional ruim e um sistema de saúde deplorável. A pobreza na verdade aumentou desde que os auxílios para desenvolvimento passaram a ser fornecidos. Em 1970, 10% dos africanos viviam na pobreza. Desde então, esse número subiu para cerca de 50%.
Por que os governos africanos não foram capazes de utilizar bem os cerca de US$ 2 trilhões (1,45 trilhão de euros) que foram parar nos cofres deles nos últimos 50 anos?Porque essa ajuda jamais esteve vinculada a qualquer exigência. Os países doadores permitem que os líderes africanos depositem esse dinheiro na Suíça, para mais tarde fazerem compras nos Campos Elísios.
Por que ninguém se rebela contra os líderes corruptos da África? Porque nós, os africanos comuns, deveríamos responsabilizar as nossas elites quando pessoas do Ocidente chegam sem parar, dizendo: “Vocês podem fazer o que quiserem. Podem praticar fraudes. Podem matar os seus compatriotas. Enquanto houver fome e doenças onde vocês se encontram, o Ocidente tomará conta de vocês”?. É por isso que os governos africanos roubam e são corruptos.
Você preferiria que a torneira de dinheiro fosse fechada? Eu jamais disse que o auxílio para desenvolvimento deveria ser suspenso da noite para o dia. Mas é preciso que haja um programa para a redução gradual segundo um cronograma bem definido. Como existe agora uma crise global, a disposição para fornecer ajuda diminuirá de qualquer maneira. Afinal de contas, quem pode exigir que países altamente endividados como a Grécia ou a Itália enviem auxílio para desenvolvimento? Sob essa ótica, a crise financeira de vocês é a nossa oportunidade: ela poderá obrigar a África a finalmente assumir a responsabilidade por si própria.
Mesmo assim, o auxílio ocidental contribuiu muito para ajudar alguns países asiáticos.Talvez seja possível afirmar isso em relação à Coreia do Sul, mas não mais em relação à Índia. Lá, o que trouxe progresso foi uma revolução verde...
…na forma do cultivo de melhores variedades de trigo e arroz, com a ajuda de especialistas norte-americanos.A diferença fundamental entre a Ásia e a África é a seguinte: programas de auxílio como aquele destinado à Coreia do Sul foram limitados; eles foram aplicados durante um período previsível. A Coreia do Sul sabia que teria que se sustentar por si própria dentro de pouco tempo. Já na África, os políticos acostumaram-se a assumir que sempre haverá ajuda externa.
Agora são os chineses que estão investindo na África. Embora eles estejam investindo nos setores de commodities e de alimentos, os chineses se preocupam muito pouco com o meio ambiente e nem um pouco com direitos humanos. Isso não a incomoda? Os chineses não desejam impor nem democracia nem a religião deles, e eles não são movidos por um sentimento de culpa quanto ao colonialismo. Eles estão vindo em nome da China. Eles precisam de cobre e de petróleo. Muitos africanos gostam dos chineses porque estes constroem ruas e estádios e criam empregos. Esse é o progresso que o Ocidente prometeu repetidamente a nós nos últimos 40 anos; um progresso que jamais se materializou.
Os chineses recorrem mais do que nunca a elites corruptas. Eles não são perfeitos. Mas eles também não fizeram nada que os países ocidentais não fizeram nos últimos 40 anos. Seria melhor se o Ocidente parasse de alertar os africanos para os perigos dos chineses.
O que está acontecendo na África é uma espécie de roubo de terras. Grandes corporações – especialmente as chinesas – estão comprando terras a preços irrisórios e depois plantando milho e outros grãos para exportação. Mas os próprios africanos continuam passando fome. 
Isso não é roubo de terras, mas sim investimento. Os europeus deveriam abrir os seus mercados, de forma que nós, africanos, pudéssemos vender os nossos produtos. Mas a União Europeia e os Estados Unidos subsidiam a sua agricultura de forma que os produtos africanos não têm a menor chance de competir lá.
Onde os africanos obteriam dinheiro caso a ajuda para desenvolvimento fosse suspensa? Eles deveriam obter uma classificação de crédito para demonstrar que desejam integrar-se totalmente aos mercados financeiros globais. Como segundo passo, eles poderiam emitir títulos financeiros. O mercado financeiro penalizaria os países que não os ressarcissem mais tarde.
Seria realista esperar que algum dia fundos de aposentadoria norte-americanos ou companhias de seguro alemãs investissem o dinheiro que possuem na Libéria ou em Maláui? Sessenta por cento dos africanos têm menos de 24 anos de idade. Eles estão loucos para participar da comunidade global Facebook-Twitter. Eles querem ter televisores a plasma como os jovens da Europa. A África é um mercado. O Ocidente está perdendo uma oportunidade nesse mercado.
Nós estamos falando de um continente no qual há guerras, assassinatos e estupros em muitos lugares. Grande parte disso é exagero. Quais são as imagens da África que nós vemos na televisão? Geralmente nós só vemos moscas pousando no rosto de alguma criança que passa fome na Somália. Você ouviu recentemente alguma notícia boa vinda da África?
Ninguém pode alegar que não existem no continente todos os tipos de guerras e crises. Você acredita de fato que as forças de mercado são capazes de corrigir os problemas da África?  Eu acredito que o mercado possa ter um efeito disciplinador. Quem governar mal será eliminado. Se fosse esse o caso, os investidores teriam que dizer: “Nós não investiremos dinheiro nenhum no seu país até que vocês resolvam os seus problemas”. Dessa maneira, os africanos experimentariam aquilo que alguns países europeus estão enfrentando neste momento.
*Dambisa Moyo, 42 anos, nasceu e foi criada em Zâmbia. Ela fez graduação em Química e MBA na American University e tem um mestrado em Administração Pública (MPA) pela Universidade Harvard e um doutorado em Economia pela Universidade Oxford. Moyo trabalhou durante dois anos como consultora do Banco Mundial e oito anos como especialista em investimento do Goldman Sachs. Ela deixou o último emprego para escrever o seu livro best-seller "Dead Aid: Why Aid Is Not Working and How There Is a Better Way for Africa" (“Ajuda Mortal: Por Que a Ajuda Não Está Funcionando e de que Forma Existe uma Solução Melhor para a África”), que foi lançado em 2009. O seu livro mais recente é "How the West Was Lost: Fifty Years of Economic Folly -- and the Stark Choices Ahead" (“Como o Ocidente foi Perdido: Cinquenta Anos de Imprudência Econômica”).


fonte: UOL

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